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Tortura
No capitalismo atual é indispensável a invenção de estratégias sofisticadas para tentar suprimir a revolta das massas contra a expansão da desigualdade social, desemprego e miséria que ocorre em quase todo lugar – em especial, uma das estratégias é a utilização das redes sociais da internet para a disseminação de fake news que direcionam o ódio dos insatisfeitos e que, simultaneamente, servem para ameaçar os que são considerados inimigos da “ordem”, provocando, inclusive, o autoexílio, quando resta ao inimigo abandonar o seu país como alternativa para não continuar a ser torturado pelas incessantes ameaças dos mais diversos tipos – ameaças que começam pela internet e depois se estendem além das redes sociais, já que em diversos locais brotam os insatisfeitos contaminados pelas fake news. Desse modo, a tortura psicológica que é realizada por intermédio da comunicação digital se tornou, em vários aspectos, mais viável do que a velha tortura dos regimes autoritários do século passado... É evidente que as fake news têm uma força muito maior para se fixarem e serem disseminadas em quem já está entristecido, frustrado, ressentido. Afinal de contas, um recurso eficiente para não enfrentar com coragem esses sintomas é olhar para fora de si e encontrar algum culpado – no entanto, ao contrário do que habitualmente é imaginado, o culpado não é encontrado, visto que ele é entregue graciosamente falsificado... O que deve ser dito a todos os cantos é o seguinte: se não houvesse uma matéria humana insatisfeita com a sua própria existência, o ódio contra quem quer que seja não seria tão facilmente propagado, porque haveria resistência ativa, carregada de emoção e pensamento, diante da estupidez humana – resistência que é efetuada por quem já vive bem consigo mesmo. Mas é exatamente o oposto do que se observa, uma vez que aqueles que não são considerados inimigos da “ordem” (como os sujeitos de bem) não deixam de ser alvos de uma outra espécie de tortura psicológica que é reproduzida impiedosamente pela sociedade de excesso: se sentir defasado, desinformado, fracassado, carente, angustiado, entre outros sintomas, alimenta, por efeito, uma demanda crescente por opções estupidificantes, como signo do desespero para preservar o mesmo modo de viver, com completa distância da transfiguração vital. O efeito disso é uma humanidade ainda mais infértil, isto é, mais infeliz... Mas essa estratégia que visa manter os privilégios dos 1% mais ricos da humanidade não irá muito longe: o ser humano não é uma máquina absolutamente comandada por algoritmos, fake news e coisas afins, pois todo ser vivo sente, deseja, pensa. Apesar de a demência mundial ser – em linguagem clara – fruto dos maiores dementes que apenas olham para os lucros, o anseio pela configuração total irá sempre fracassar. Aviv Ovadya alerta para o “infocalypse” como estado de apatia diante da avalanche de fake news (estado em que não se sabe mais se a informação é verdadeira ou falsa). Nós acrescentamos que o “infocalypse” pode ser um efeito de uma nova tortura que atinge um nível em que não há mais energia para reagir ao excesso de estímulos que sustenta interesses inconfessáveis... Mas esse fato, apesar de assustador, pode permitir que surjam aberturas para as existências não torturadas, que sentem que há vida fora da propagação do ódio cego. É por essa razão que toda nossa obra se dirige para quem tem o olhar para essa outra possível civilização, pois os que virão depois de nós vão ter que se apoiar naquilo que de grande e libertador conseguimos realizar hoje, apesar das dificuldades que se apresentam e, talvez, graças a elas!... Esses que virão depois de nós serão coagidos a perceber que as saídas não existem, não estão prontas e escondidas em algum lugar, mas que, antes, devem ser criadas a partir da transfiguração... Agindo desse modo, aqui e agora, nossa existência está integralmente justificada.
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