Ritual


Habitando temporariamente este pequeno planeta, próximo de completar quarenta e duas voltas ao redor do sol, sentimos que os nossos escritos (ensaios, estudos, aforismos) nos influenciam ainda mais, nos forçando a ir além do que sabemos. Afinal, se não temos algum projeto que esteja acompanhado de um impulso profundo, estamos perdidos... Assim, por obediência ao projeto que, no momento, sentimos, retornaremos, após um longo intervalo, aos ensaios filosóficos com a intenção de expressarmos, de outra forma, os nossos pensamentos. Mas isso não significa que queremos abandonar definitivamente os aforismos – nos parece ser apenas uma pausa necessária para que, quando retornarmos a eles, voltem a exprimir, quiçá, nossas novas transfigurações, porque é assim que aprendemos a nos sentir vivos. Nossos projetos não são rígidos e frios, eles sofrem mudanças para continuarem a obedecer ao movimento da vida, que é o de despedida e transfiguração... despedida e transfiguração... despedida e transfiguração... É triste o fato de que praticamente perdemos o sentido vital dos rituais que apontam para um renascimento em vida. Essa desvalorização do ritual é, para nós, signo de miséria existencial... A grandeza do ritual é que ele não nos faz apegar ao que nos obstrui, pelo contrário – é por sermos capazes de nos apegar à vida é que efetuamos, com alegria, a despedida, sem temer o nosso futuro. Entretanto, sem o ritual temos medo de mudar e, por efeito, nos agarramos a qualquer falácia que nos seduz com a promessa de que tudo vai melhorar, sem precisarmos modificar nada... Mas como desejamos que os nossos escritos possam continuar a exprimir esse movimento da vida, fizemos, enfim, este ritual de despedida dos nossos dez anos de aforismos – sem dúvida, eles vão nos acompanhar até o nosso último respiro, mas, sobretudo, estarão também presentes naqueles que serão tocados por eles.

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.

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