Simplicidade


Se a vaidade é um mecanismo de poder que nos limita ao conhecimento do hoje, nos separando da evolução no sentido da vida, por outro lado surgem, como imagem de contraste, os que jogaram para longe a vaidade pessoal e se tornaram aquilo que são – uma existência simples. Trata-se dos que possuem uma simplicidade impessoal, fruto de um conhecimento de que o Sempre está nos sujeitos e objetos, de modo que não existe ninguém no mundo que seja proprietário de alguma coisa ou até de si mesmo. Consequentemente, eles estão mais aptos para não se distraírem de si, seja pela admiração, seja pela inveja dos que precisam do hoje. Frequentam lugares que são, no fundo, simples; conversam com pessoas que também são, sem dúvida, simples (mesmo que elas ignorem que são); assim como também se alimentam, se vestem e se divertem com simplicidade. Porém, a simplicidade da qual falamos é distinta de um simplismo que rejeita o desenvolvimento tecnológico a partir de um ideal de purificação da alma, de uma glorificação da pobreza ou, então, da marginalidade. As inovações tecnológicas, quando não são utilizadas de modo supérfluo, podem favorecer ainda mais a simplicidade (o que pode parecer contraditório para muitos). Contudo, nas mãos do sujeito vaidoso, elas adquirem facilmente um sentido que é nocivo para todo mundo, pois, para manter a todo custo o poder do qual ele depende, não há outra saída a não ser vigiar, controlar, enganar e assassinar – afinal, não há motivo algum para deixarmos de afirmar que é a existência covarde que precisa exterminar os que não se submetem... A partir da simplicidade impessoal não há necessidade alguma de se ajoelhar e abaixar a cabeça diante dos “poderosos” e das “celebridades” - estes é que, ao contrário, deveriam reverenciar a simplicidade que se apresenta aos seus olhos, caso pudessem, evidentemente, se livrar de seduções como honra e riqueza que, necessariamente, um dia perecerão. Mas o conhecimento daquilo que não perece, que é o que chamamos de Sempre, nos faz dispensar as quinquilharias fabricadas para serem colocadas sobre nós mesmos, à espera dos aplausos que reforçam a vaidade pessoal.

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.

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