Medo


Falávamos sobre como a autogestão chama a autonomia, como elas caminham juntas. Queremos acrescentar que elas mantêm afastado um grande perigo que não é exterior a nós, mas, ao contrário, é interior a nós: o nome dele é medo... Por medo, muitos fazem as piores coisas do mundo, as mais nocivas, as mais vergonhosas. Medo da diminuição do “padrão de vida”: alguém pode dizer que é normal fazer peças publicitárias que estimulam as pessoas a ingerirem alimentos e bebidas realmente nocivos, com a justificativa de que necessita “garantir o seu pão”, pois ele é como todo mundo, tem contas para pagar, precisa sobreviver. Quanto maior é o seu “padrão de vida”, maior é o seu medo de “ficar mais pobre”. Portanto, cada vez mais, ele depende da conservação de uma lógica de mercado perversa. Medo da mudança: a esposa olha para o seu marido e se dá conta de que a relação conjugal está naufragando há tempos; apesar disso, ela ainda se agarra ao casamento por medo de sentir-se abandonada: “Se está ruim assim, estará pior se tudo acabar!”, é o seu raciocínio... Medo de perder o emprego numa instituição de ensino, bancária, pública ou outra qualquer. Medo de não ter acesso fácil aos anestésicos; medo do julgamento moral dos outros; medo da ruptura com certos hábitos que dão uma aparente sensação de segurança e tranquilidade; medo do seu futuro... Medo, medo, medo... Em suma, não nos parece ser suficiente a justificativa de que se alguém faz as piores coisas é porque precisa sobreviver e sustentar os seus filhos. Então, a existência segue, e as consequências nocivas das ações que, muitas delas, são legitimadas pelo poder, continuam a embotar as relações humanas. Se o trabalho do homem estivesse limitado a isso, ou seja, a fazer aquilo em que não é colocado o seu coração, não teríamos sentido algum em escrever estas palavras – poderíamos fazer como muitos, lavar nossas mãos para, mais uma vez, entregá-las à escrita de textos sensacionalistas, pois assim continuaríamos a olhar para o próprio umbigo “bem sucedido”. Mas nós não temos e não queremos um umbigo “bem sucedido”, não damos importância a ele.

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Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.

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