Singularidades criadoras

 

Disponível no formato impresso. 

2ª edição, dezembro de 2018
136 páginas
Projeto gráfico de Arquivo - Hannah Uesugi e Pedro Botton


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PREFÁCIO

Procuramos, com Singularidades criadoras, dar forma a pensamentos que surgiram na nossa mente por meio de setenta aforismos, escritos durante cinco anos. A partir de uma ideia principal, que deu título a um aforismo, fizemos uma exposição condensada e articulada, em menor ou maior grau, com outras ideias que deram títulos aos outros aforismos - em razão disso, a leitura pode ser em qualquer ordem. Alguns destes aforismos são testemunhos da nossa tentativa de criarmos conceitos filosóficos, cujo exemplo maior, talvez, seja o conceito que deu título a este livro. Para resistir ao perigoso mundo em que vivemos (mas que também não deixa de ser instigante), é urgente despertarmos e ampliarmos o que chamamos de singularidades criadoras, que são, basicamente, indivíduos que têm a consciência de não querer desperdiçar a sua existência porque sentem a tarefa de obrar, ou seja, de ver a obra em processo, com orgulho e felicidade. 

Esta consciência é despertada por meio do que compreendemos por introspecção (do latim introspectio, que significa “ato de olhar para dentro”), isto é, um pensamento que eclode na nossa mente quando percebemos a nossa própria obra em processo e a relacionamos não a um autor que seria causa dela (pois o autor como agente causal não existe), mas sim à tentativa constante da vida para desabrochar nos indivíduos conscientes. Distraídos de nós mesmos ao olharmos exageradamente para as ações que nos conservam (algo que é efeito do que denominamos macromundo), a introspecção é um olhar para si como meio de passagem para a criação de uma obra em processo; ao contrário, portanto, de um “ato de olhar para dentro” enquanto se refere a um suposto sujeito isolado da natureza.


O pensamento introspectivo é acompanhado de uma certeza alegre, que é distinta da felicidade no sentido convencional, geralmente associada à ideia de bem-estar (que visa à conservação da existência). “Certeza” vem do latim certus, que significa “seguro, garantido”. A compreensão de que somos apenas meios para a vida poder criar nos torna seguros para seguirmos adiante no engendramento da nossa obra. Sem dúvida alguma, isso nos faz experimentar uma alegria como sentire certus, um “sentimento da certeza”. 

Mas a certeza alegre é também distinta do que compreendemos por felicidade, pois esta surge quando parte da obra (já que ela está sempre em processo) está feita. Portanto, a certeza alegre, num certo sentido, vem antes da felicidade, porque ela nos torna mais aptos a perseverarmos no processo de criar o máximo que podemos – é graças a ela que sentimos que não devemos desperdiçar a nossa existência. Quando ousamos trilhar um caminho que não foi percorrido por ninguém, isto é, quando fazemos aquilo que mais queremos e do modo como queremos, estamos mais próximos de experimentar este “sentimento da certeza”. 


Porém, antes de eclodir o pensamento introspectivo e a experiência da certeza alegre, ainda nos perguntamos se o que estamos fazendo com a nossa própria existência é, de fato, o melhor para nós. Ainda vacilamos frente ao julgamento alheio e também ao nosso próprio julgamento sobre o que fizemos no passado. Ainda nos apegamos a um quê de reconhecimento daquilo que é apenas uma parte da obra, ainda acreditamos na existência do autor e, por isso, ainda não conseguimos perseverar no processo de obrar. Somos, então, capturados pelos mais diversos meios porque ainda não experimentamos a certeza alegre, que é, para nós, uma “persuasão íntima” - é ela que nos impele a irmos adiante como singularidades criadoras, e por isso nos tornamos mais fortes para não sermos capturados pela “vergonha de sermos singulares”, imposta por indivíduos entristecidos que, por medo, fazem as piores coisas do mundo, as mais nocivas, as mais vergonhosas.

Em razão disso, torna-se evidente que para o desabrochar da introspecção na nossa consciência é fundamental a conquista da paciência e da autonomia. Enquanto não conquistamos a liberdade introspectiva, a vida nos alerta através daquilo que chamamos de saudade de estar consigo mesmo, que não é uma saudade de um tempo que já foi, mas de um tempo que podemos retornar a qualquer momento. Esta saudade não é apenas sentida por quem já ousou trilhar um caminho original, mas também por quem está limitado ao script social. Trata-se de uma fundamental convocação interior que nos coloca na perspectiva de curarmos a nossa impotência artística. Outro alerta da vida concerne ao que denominamos “gritos corpóreos”, que geralmente não são “escutados” por nós. 


Isto tudo implica uma abertura e uma aliança com o micromundo, que, juntamente com o conceito de macromundo, será melhor desenvolvido no próximo livro, provavelmente numa perspectiva ontológica. Grosso modo, o micromundo é o mundo apreendido por nós por meio dos sentidos do corpo. O macromundo, ao contrário, é o mundo onde percebemos que estamos “em casa” para nos conservarmos. Ele é constituído pela linguagem e pela opinião, é onde nos mantemos afastados da experiência do micromundo, que é, por essência, o mundo do caos. A palavra “mundo” vem do latim mundus, que significa “limpo, elegante”. Pensamos que é impossível “sujar” o micromundo, pois ele é dominador desde sempre. Já o macromundo é fácil encontrá-lo sujo e envenenado, e quem faz isso é a forma-Estado. O que chamamos de entristecimento tolerado tem relação direta com a resignação humana, que é característica do macromundo tornado “imundo” (do latim imundos, que significa “sujo”). Portanto, trata-se de um evidente problema social de higiene. Sem a experiência de nos aliarmos ao micromundo (que também é uma experiência de sentir-se “em casa”, mas de outro modo), não existe a felicidade que surge da criação, o pensamento introspectivo não desabrocha e, também, não experimentamos a certeza alegre. Somente por meio da aliança com o micromundo que podemos redimir as ações utilitárias e, desse modo, purificar o macromundo.

A abertura e a aliança com o micromundo são favorecidas por meio do que compreendemos por amizade, pois são os amigos que nos apresentam coisas que nem imaginávamos que poderiam existir – são coisas que nos tocam de outro modo, que podem nos livrar do embotamento dos nossos sentidos e que, além disso, nos servem como signos que nos alertam sobre o perigo de banalizarmos e desperdiçarmos a nossa existência. Existem aforismos preciosos onde destacamos a importância da amizade para conseguirmos tocar e sermos tocados, para doarmos e recebermos e, com isso, mudarmos cada vez mais (em Essência, por exemplo, dissemos que “reconhecemos alguém que vive quando percebemos que é capaz de efetuar isso”). Os encontros com esses amigos podem ocorrer poucas vezes ou, até, uma única vez, mas que pode ser o suficiente para operarmos uma profunda mudança. Porém, na ausência desses encontros, nossa mudança é inevitavelmente retardada. 


A amizade concerne não apenas a quem nos faz sentir por meio de algo que não foi criado pela própria pessoa, mas também, evidentemente, por quem criou algo. Reservamos o aforismo Generosidade para este último caso, onde dissemos que o que foi doado é visto e recolhido por poucas pessoas e, destas, algumas não sabem o que fazer com o que foi recolhido, pois foram impiedosamente engolidas pelas exigências do macromundo da forma-Estado. Como saber o que fazer com o que foi recolhido se o tempo necessário para gerar algo novo, que permite a experiência da felicidade, é continuamente reprimido pela organização tirânica da vida humana?

Em razão disso, também destacamos no livro a importância de práticas políticas que nos levam, o máximo que podemos, ao desabrochar da introspecção e ao despertar das singularidades criadoras. Basicamente, o que denominamos democracia ativa concerne à subversão da ordem política, ou seja, quando os políticos estão a serviço das exigências mais urgentes da população. A democracia ativa envolve um confronto entre as forças sociais que estão a serviço do capital e as forças sociais de aliança entre alguns indivíduos que não toleram a humilhação diária em que vivem – e também entre outros que buscam melhores condições para desenvolver a sua obra. Mas muitos problemas se colocam neste ponto, como, por exemplo, a canalização da insatisfação com a ordem capitalista operada por supostos movimentos de esquerda que dão apenas uma aparência de participação política ativa. 

Se o governante, por meio da democracia ativa, deve se curvar às exigências da população, entendemos que existem diferenças de grau entre um político que está completamente cooptado pelas forças que servem ao capital, de outro que, ao menos, abre um diálogo prolífico com os movimentos sociais. Dizer que existe apenas diferença de grau entre um tipo de político e outro é enfatizar que, embora seja da essência do Estado sujar e envenenar o macromundo, é completamente possível servir-se do governante para favorecer a vida humana. Se precisamos de determinadas condições básicas para viver, como água nas torneiras, transporte público de qualidade, moradia decente, certamente haverá conflitos entre indivíduos entristecidos que olham apenas para o seu próprio umbigo (pois querem fazer da água, do transporte público, da moradia, antes de tudo, um negócio lucrativo), e outros que veem estes bens apenas como meios indispensáveis para fortalecer o seu modo de viver. Por isso entendemos que a revolução não se confunde com a posse do Estado por um partido de “esquerda”, mas implica a contínua criação de direitos que escapam das tentativas do homem-Estado (aquele que reproduz a forma-Estado) de reprimir a vida.


Amauri Ferreira, dezembro de 2014





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