Massificação
“Arte para todos!”. A inclusão “cultural” promovida pelo Estado resulta numa diminuição da potência subversiva da arte – a sua massificação impede, de fato, que ela seja fruída de modo a produzir no indivíduo sensações e ideias que podem torná-lo autônomo. Então, a velha política do “pão e circo” continua a ser ferramenta de distração para as massas e, como resultado disso, a fruição da obra de arte continua a ser privilégio para pouquíssimos. Por isso o Estado compra o artista e a sua obra para si – e, o que é deplorável, o artista se permite ser comprado em troca de riqueza, fama, reconhecimento, entre outras “vantagens” que fazem os seus olhos brilharem. Como produzir os mais elevados sentimentos e ideias quando a sua obra é executada ou exposta em ambientes que tendem a diminuí-la, no meio do corre-corre da multidão, invadida por estímulos sonoros e visuais que impedem a sua fruição? Contrário a isso, o artista que não se vende deve estar preparado para conviver com a sabotagem e a ameaça de destruição da sua obra (muitas vezes, nem uma linha no jornal sobre algo que produziu; pouco ou nenhum estímulo financeiro para a produção da sua obra). Glauber Rocha já esbravejava: “Eu me encontro no Brasil mar-gi-na-li-za-do!”. Assim acontece também com o filósofo, como já dizia Nietzsche, que, ao submeter-se ao Estado, é impedido de pensar. Portanto, é necessário que o artista e o filósofo não se tornem servidores do Estado, já que os movimentos de intensificação da vida por meio da arte e da filosofia nunca serviram aos interesses de conservação do Estado. É necessário que eles mantenham o poder afastado de si mesmos, sem dar importância a títulos, fama, riqueza ou alguma autorização para criar e pensar. É necessário seguir adiante na produção da própria obra sem esperar aplausos de uma massa que não sabe experimentar, sem aguardar a autorização de alguma instituição para falar, escrever ou expor os seus mais sinceros desejos, ideias, ações. Certamente, submeter-se à organização exterior da vida fornece ao indivíduo lugar garantido na mídia oficial, grande público nas palestras, muitos livros vendidos, mas, em razão disso, paga-se um preço alto: a sua criação é anulada... Em contrapartida, o indivíduo nômade diz, com todo coração, “Adeus!” ao Estado, porque inventa o seu próprio trabalho, a sua escola, a sua família, a sua distração, os seus encontros, os seus movimentos sociais – assim ele é fiel aos seus afetos e não cúmplice dos modelos (organizados pelo Estado) de trabalho, de escola, de família e de distração que servem para massificar os homens, para impedi-los de fruir a obra de arte e, em razão disso, tornam-se ignorantes e incapazes de organizar a sua própria existência.
Comentários