Respiro
Nos
momentos de respiro estamos acompanhados da nossa própria
experiência porque ousamos nos
entregar, mesmo que temporariamente, ao aspecto inútil da
existência. Somente assim podemos perceber que, de fato, não
paramos de mudar um só instante, que nos diferenciamos
ininterruptamente – nesse processo sentimos emergir uma grande
alegria por participarmos de uma realidade que se alimenta de si
mesma. Passamos a amar e a desejar a potencialização da nossa
capacidade de sermos profundamente afetados pelo tempo. Como
aprendemos a amar as experiências dessa natureza, somos pressionados
a comunicar aos outros essa grande emoção da mente – e é
inevitável que os pensamentos nunca antes imaginados tornem-se
presentes para nós. Essa grande sensação nos coage a vivermos cada
vez mais assim: o inútil, o maravilhosamente inútil, expressa a
interrupção temporária da agitação, do barulho que provém das
quinquilharias eletrônicas, da insana correria para atender aos
compromissos do trabalho, do consumo das distrações, enfim, de tudo
aquilo que caracteriza o cotidiano do homem utilitário. Com uma
virtude encarnada, quem é grande esforça-se,
sempre naquilo que pode, para varrer para longe de si a maior parte
das obrigações sociais estabelecidas, e trava um combate contínuo
contra o automatismo crescente dos indivíduos que reproduz uma
humanidade embotada, escrava do seu fanatismo utilitário, da sua
repugnância contra tudo que é estranho, do seu ódio contra o
tempo. Mas
a criação e toda grande sensação apenas podem ser filhas do
inútil!... Somente assim podemos redimir o útil... Nada
nos falta quando entendemos que, para que haja a geração do novo,
basta nos aprofundarmos no nosso próprio tempo – um tempo que
maquina silenciosamente cada modificação em nós. É
através dele que encontramos o nosso ritmo para o que fazemos com
amor.
________________
Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.
Comentários
um abraço repirado e grato por compartilhares do contentamento.
virgínia