Macromundos


No macromundo envenenado, tudo, aparentemente, está acabado, fechado em si mesmo, com crenças inquestionáveis (Cativeiro). Em contrapartida, no macromundo purificado (Selva) há um processo inacabado, com aberturas para a exploração dos micromundos que, por sua vez, protegem a purificação do macromundo - nele, as ações utilitárias não servem para a obtenção de prazeres excessivos, uma vez que elas estão subordinadas às necessidades mais nobres, como os momentos de ócio, de contemplação, de ressonâncias. Sabemos que as opiniões, como componentes do macromundo, têm uma função conservadora pela via da comunicação; mas, no macromundo envenenado, elas são funções da manipulação e do enfraquecimento das pessoas (o medo, a esperança, a insegurança, a salvação, a felicidade, o ódio, tudo isso disseminado, sobretudo, pelos mass media). Manter-se afastado do micromundo pode ser uma necessidade inevitável para quem está enfraquecido dentro do macromundo “tornado imundo”, mas também pode ser uma necessidade apenas temporária, sem, de fato, haver um desprezo do micromundo, pois certos componentes do macromundo purificado permitem a experiência dos micromundos (por meio da escrita, ou de uma aula...), onde a linguagem já não opera consensos utilitários, mas passa a estimular as nossas conexões desejantes. O problema parece ser a adjacência das duas espécies de macromundos, e o risco, sempre iminente, de tornar imundo o que, antes, era puro: a linguagem a serviço da comunicação de informações consideradas “úteis”, a demanda hipnotizadora por lucros, o desprezo da força crítica e criadora do pensamento, a existência humana limitada à simples sobrevivência. Por isso pensamos na importância da multiplicação de mecanismos que, para falar como Clastres, “conjuram o Estado”, uma vez que, como já dissemos, a forma-Estado nada mais é do que o efeito da demasiada configuração volitiva e voluptuosa em nós mesmos... Ora, se é precisamente a experiência com os micromundos que permite a purificação do macromundo, não é difícil compreender que a ausência dessa experiência faz derivar e preservar um circo de horrores em escala mundial. 

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.

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