Método


Se o nosso problema é “encontrar o Deserto”, certamente a exploração nos serve como método para isso. Não se trata de irmos atrás de objetivos pré-estabelecidos, mas de nos deixarmos levar pela própria exploração, onde há uma afirmação da aliança entre os sentidos do nosso corpo – pois, segundo o nosso método, os sentidos não nos enganam... Se ainda podemos considerar a existência de um objetivo pré-estabelecido, talvez seja este: renovar os nossos sentidos com estímulos que evocam um estranho que nos habita. E como passamos a amar esse estranho!... Podemos, por isso, indicar alguns componentes da exploração como método: o caminhar sem rumo definido, que faz a nossa solidão ser “povoada por imagens, ritmos, afetos, memórias e percepções”; a leitura que ressoa com nossas próprias experiências ao nos relacionarmos com o texto como algo vivo; o ato de escrever de maneira honesta quando já vivemos honestamente; ouvir uma aula que destrói os nossos “mais arraigados hábitos de julgar, de perceber e de pensar”; e, afinal, podemos considerar, talvez, como componente principal do método, a contemplação artística, que interrompe temporariamente a ordem parasitária do nosso corpo e da nossa mente... Ocorre às vezes de irmos longe demais na exploração e não encontrarmos o Deserto. Mas também acontece de, ao termos iniciado a exploração, ela ser repentinamente interrompida, visto que as hiperconexões entorpecedoras e voluptuosas nos deixam num tal grau de cativeiro sensorial, temporal e mental, que não é fácil nos desconectarmos de modo seletivo para, finalmente, nos abrirmos às conexões desejantes. Por não haver finalidade na exploração, é evidente que a consciência pragmática se torna um grande obstáculo para nós – o Deserto não é um ideal, não é a nossa terra perdida. Pelo contrário, é ele, o Deserto, que se apresenta a nós como consciência continuante: somos tomados por um problema novo, um pensamento novo, um impulso novo...

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.

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