Ressonância


Qualquer um de nós pode encontrar coisas e seres vivos que, embora sejam, num certo sentido, temporariamente estáveis e finitos, nos permitem a experiência da mudança universal. O fato é que algo existente já é um mundo, não importa a forma que tenha – e a nossa vontade de explorar é, para falar profundamente, o desejo de sentirmos a ressonância entre micromundos heterogêneos, o que faz nascer uma aliança temporária que nos torna mais fortes e confiantes na vida. Entretanto, é preciso ter coragem para sentir-se em casa desse outro modo, despersonalizado... O que queremos enfatizar é que existe algo em nós que jamais se torna imundo, pois até as pessoas cujos atos nos envergonham – como as que amam o poder ou que apenas cumprem ordens – são, essencialmente, puras enquanto micromundos, mesmo que ignorem essa realidade. Essa ignorância ocorre porque não podemos sentir a ressonância de qualquer jeito, como se ela pudesse surgir pelo simples fato de encontrarmos alguém ou alguma coisa do modo que esperamos – esta expectativa, que é inerente à consciência pragmática, é sempre frustrante. É preciso, ao contrário, ser capaz de contemplar o ritmo que irresistivelmente nos atrai. Sem dúvida, os modos de existência limitados à consciência pragmática podem ter a experiência da ressonância, mesmo com a demasiada vontade de ter prazeres, mesmo sem cultivarem a contemplação de ritmos, mesmo com o esmagamento do desejo de serem atraídos – e, quando a sentem, é comum recorrerem à consciência pragmática para se tranquilizarem com uma explicação qualquer, desde que seja sustentada por uma suposta intencionalidade naquilo que lhes aconteceu (como se fosse, por exemplo, o sinal de um “chamado divino”). Disso decorre o conflito do “aperto no coração”, pois terão que rever valores, crenças e hábitos para se abrirem às novas experiências vertiginosas. A vertigem desloca a formação cultural de alguém, o seu saber enciclopédico, os seus títulos, mas também pode ser acompanhada do sentimento de não se saber muito bem o que fazer com ela – esta lacuna é a oportunidade que um líder de seita se serve para obter mais um seguidor... Por outro lado, há quem, ao ser tomado pela vertigem, diz palavras muito profundas e lúcidas, que incomodam a sociedade. Contudo, ao ser engolido pela banalidade ou, então, pela patologização da vida, sente-se até envergonhado por tornar dizíveis pensamentos tão originais que, justamente por isso, são incompreensíveis para muitos. Mas a aliança que surge com novas ressonâncias mantém afastado este perigo de duvidarmos da nossa própria pureza – e também da doce loucura do nosso pensamento.

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.

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