Sempre


Hoje, hoje, hoje, o exagero do hoje nos sufoca. A linguagem corrente não cessa de nos falar do hoje, até os mais inteligentes nos incitam ao hoje. Fácil é falarmos sobre o hoje, que não exige grande esforço e paciência. Difícil é pensarmos no Sempre... Ignorar a presença do Sempre é negar o amanhã – o amanhã da humanidade. Mas o grande artista e o grande filósofo nos ensinam a pensarmos e sentirmos o Sempre – eles nos alertam sobre o exagero do hoje que nos torna doentes e covardes. Filosofia e arte se nutrem do Sempre, toda criação surge do Sempre, é a sabedoria do Sempre que devemos cultivar para não entregarmos a nossa existência aos que estão afundados no hoje. Passamos, então, a falar para o amanhã, ou seja, para os que têm ouvidos para o Sempre, sejam os que existem hoje, sejam os que ainda existirão. Mediante o exercício impiedoso da crítica abrimos as portas do amanhã para alguns dos que apenas conhecem o hoje – e isso é revolucionário. O olhar focado no hoje nos faz errar o alvo: ora disparamos contra nós mesmos, ora utilizamos canhões para abater pássaros. Mas compreender e criticar o hoje a partir da experiência do Sempre nos faz acertar o alvo com a mais singela arma, porque sabemos que o hoje nunca esteve separado do Sempre. Mas os seres tristes, que não querem viver sem o reconhecimento pelos serviços prestados aos interesses do hoje, tentam banir a força revolucionária do criador ao se esforçarem para separá-lo da experiência do Sempre. Mas isso é inútil, porque ninguém, de direito, está separado do Sempre. A diferença fundamental é apenas entre quem ainda não quer perceber o Sempre (pois tem medo dele), de quem o abraça com todas as suas forças para seguir o seu movimento de destruição-criação. É evidente que não assumimos riscos quando estamos atolados no hoje, ao menos enquanto acreditamos que o hoje vai nos “proteger” do Sempre. Mas quando somos tocados pelo Sempre podemos desejar acompanhá-lo – e para isso serão necessários alguns riscos, erros, acertos, novamente erros e acertos, porque simplesmente não queremos deixar de viver em função dele. 

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.

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