Indolentes
Os
“gurus da felicidade” não cansam de pregar o “conhecimento de
si”, a busca compulsiva pelo “verdadeiro eu”, de ter o “cuidado
de si”, ou então, o “amor a si mesmo”, o “estar de bem
consigo mesmo” e tantas outras expressões vulgares que servem para
capturar um número cada vez maior de indivíduos que sofrem da
realidade, que padecem dos valores modernos e que, por isso, procuram
ajuda. Querer ajuda é algo que nunca iremos censurar, pois em certos
momentos ela é parte necessária da existência – mas o que
censuramos é a ajuda oferecida pelos mais variados sacerdotes
modernos, que vestem a roupagem de escritores, sábios, especialistas
da psique, espiritualistas, místicos: não passam de terapeutas
charlatães que pregam a “sabedoria-aplicada-no-cotidiano”.
Difícil passar por eles e não perceber a enorme carência de se
tornarem indispensáveis para quem lhes procura, pois, afinal,
dependem dos doentes para acumular mais dinheiro. Mas, por outro
lado, tão ruim quanto esses gurus são os que precisam deles,
os que pedem receitas fáceis de serem decoradas e aplicadas (a
liberdade oferecida na bandeja), de unir a “teoria” (sempre a
mais banal) com a “prática” (a aplicação como prova da
“verdade” teórica). Pois bem, estes são os seres indolentes,
sedentos para aplaudir uma nova receita, uma nova instrução, que se
alegram com novas doses de conscientização, de interpretação de
signos, de “verdades” que reforçam a sua passividade e o seu
“eu” – não há como negarmos que eles realmente merecem os
seus gurus. Depender de alguém para organizar as suas relações –
seja na família, no trabalho, nos estudos – apenas expõe a
inércia, o descuido de si, a ausência de si e, também,
o temor diante
de si, dos pensamentos e desejos mais próprios que podem, sim,
organizar suas relações sem dever nada a ninguém. O indolente tem
pavor do silêncio e da solidão, não para de odiar a vida que tende
a manifestar-se nele por meio de ideias e desejos absolutamente
inocentes. Portanto, ele necessita dos gurus para manter-se afastado
das forças revolucionárias do inconsciente. “Afastai-vos das
tentações do mal!” – esta é a moral do padre e também, é
claro, a dos “gurus da felicidade”... De um lado, os indolentes
querem mudanças artificiais e, por outro lado, seus gurus aconselham
mudanças confundidas com um novo cargo na empresa, um novo parceiro
conjugal, uma nova oportunidade de enriquecer, além de viagens
banais que não passam de deslocamentos no espaço – o indolente
pode viajar ao redor do mundo para encontrar o seu “verdadeiro
desejo”, mas jamais o encontrará, porque simplesmente não
há “verdadeiro
desejo”, assim como também não há “verdadeira personalidade”,
“verdadeiro amor”...
________________
Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.
Comentários