Fascismo


Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Assim Mussolini resumia a lógica fascista, para o agrado de uma massa enfraquecida, amedrontada e, ao mesmo tempo, esperançosa. Mas isso não se trata de um caso isolado. O fascismo apenas expõe uma moral unificadora, que pretende espantar, a todo custo, qualquer ameaça ao “conforto” e “sossego” dos “bem sucedidos economicamente”. Através de tamanho descaramento, é evidente que esse tipo de fascismo não pode durar muito. Os dogmáticos do liberalismo, neste ponto, são muito mais astutos, já que pretendem operar a homogeneização através da democracia. Não temos dúvida de que a sociedade capitalista é um fascismo disfarçado de democracia. A democracia realiza de forma muito mais eficiente e sutil a empreitada fascista, que é a homogeneização através da inclusão das supostas “minorias”, tudo em nome da humanização dos excluídos de um modelo que é imposto para todos. A inclusão é para a mesma educação, para o mesmo trabalho, para a mesma família. A inclusão democrática facilita a busca pela identidade que falta! A democracia moderna... eis o grande golpe burguês para manter a crença das massas numa suposta proteção do Estado. Os mass media, por exemplo, tentam esconder, de todas as maneiras, que o Estado moderno está a serviço da acumulação do capital, que a burguesia se serve dele para os seus interesses vampirescos, de modo que os representantes da massa no poder são apenas peças (que são renovadas a cada nova eleição) para manter a máquina capitalista funcionando. Mas esconder isso a todo custo, simulando objetivos para que uma vida melhor possa ser alcançada através da lógica democrática da inclusão, faz parte desse grande circo. A inclusão, de fato, é realizada através da captura de um desejo que passa a amar a identidade e o poder. O que decorre disso é que os incluídos passam a vigiar e punir... mas estes também são vigiados e punidos! Não é mesmo fácil ser livre num mundo assim, não é fácil manter-se numa vida revolucionária que não se confunde com um grito de “Viva a revolução!”, mas que é um constante afastamento do poder em si mesmo. Alguém que vive enfraquecido, impedido de ampliar suas conexões e de criar novas maneiras de viver (notem bem:: criar e não ser incluído), tende a desejar o poder (eis um fascismo emergente...). Talvez a grande contribuição de Pierre Clastres seja essa: a sociedade primitiva não é sem Estado, mas contra o Estado, ela esconjura, constantemente, o Estado que está sempre ali, virtualmente... Não se tem a menor ideia disso quando há exigências por “mais segurança!”, “mais direitos iguais!”, “mais punição”. O horror, o horror de outrora dos regimes fascistas passa a ser exercido pelo homem democrático, progressista e cínico - o homem de bem da nossa época.

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Aforismo publicado no livro Singularidades Criadoras (2014), de Amauri Ferreira.

Comentários

Tania Montandon disse…
oi, tem um selo para o blog no http://metareflexoes.blogspot.com

beijos
Marta Rezende - mrubia17@terra.com.br disse…
Oi Amaury, participei da sua palestra ontem, comprei seu livro, já o li, tudo muito bom. Parabéns pelo seu trabalho.

Havia falado com vc sobre o conceito do Deleuze do "tarde demais". Ouvi o Daniel Lins falar sobre isso, mas não entendi. Hoje fui buscar na internet e achei uma aula do Cláudio Ulpiano sobre esse conceito na obra do Visconti e aí entendi melhor: não é um fato psicológico (como eu havia pensado ) e sim uma dimensão do tempo. Tá aqui: http://www.claudioulpiano.org.br/aulas_020693.html

No mais li seus artigos no blog hoje, gostei de quase todos, menos desse do fascismo. Acho que mistura alhos com bugalhos. Não acho que a gente deva contrapor transformação e democracia. Nem acho que democracia acaba com as diferenças. Não há fascismo democrático. O que acho é que nossa transformação ajuda a ampliar a democracia.
o pensamento pós-moderno (contra o estado, contra a política, contra a razão) já era. Estamos redescobrindo a importância da política e da ampliação da democracia, uma democracia em que caibam todas as diferenças. Não é fácil, mas é o movimento do devir.
Marta Rezende disse…
Oi Amauri, voltei no blog pra ler mais coisas e pra te perguntar se topa dar uma pequena entrevista sobre micropolítica. Essa entrevista é para um blog de política em que colaboro, feito por um pessoal que luta pelos mais pobres lá em Ouro Preto (MG). Pode ser uma entrevista por internet ou pessoalmente quando estiver dando aula perto de onde moro. Seriam questões bem básicas e teríamos que abordar as coisas de um jeito bem didático pois os leitores do blog são pessoas simples, sem formação em filosofia.
Estou lendo o Mil platôs vol 1. Bem complicada essa leitura, mas tento entender ao menos um pouco.
abração